Paternidade depois dos 60
Recebi um comentário de uma seguidora, em uma rede social, que dizia não concordar com a minha paternidade sexagenária por entender que tudo tem seu tempo e que, em seu entendimento, “ter filho na terceira idade já está mais do que passado o tempo” (sic), e que um homem decidir ser pai, nessa fase da vida, significa “não estar nem aÍ, pois a probabilidade de não ver o filho crescer e participar da vida dele é enorme.”
Bem, longe de mim desafiar evidências estatísticas, sendo eu um sujeito que tenta, ao menos na maioria das vezes, pensar de forma técnica, racional e pragmática. Tampouco há, aqui, intenção de resposta ou contra-ataque, mas, sim, uma vontade de me expressar sobre o que imagino ser o pensamento de muitos.
Claro que seria absurdo considerar que não há diferença entre ser pai aos 65 ou aos 30 anos de idade, ou aos 21, quando tive meu primeiro filho. Uma mistura de sensações passou a fazer parte da minha rotina mental: felicidade incontrolável, surtos frequentes de extrema alegria, uma renovação completa de perspectivas, mas também ansiedade, preocupação, medo e incerteza. Felizmente as três primeiras mais intensas e frequentes. Creio que pais jovens experimentem, em maior ou menor grau, sentimentos parecidos, já que a juventude, por si só, não garante a certeza de acompanhar o crescimento do filho e de participar muito da vida dele. Ou será que garante?
Aos pais jovens é garantida a certeza de acompanhar o crescimento do filho e de participar muito da vida dele?
Estar na idade considerada ideal para ter filhos zera os riscos de câncer, AVC, infarto, ruptura de aneurisma, homicídio, suicídio, acidente de carro, bala perdida, e o escambau?
Quantos homens morrem antes de realizar o desejo de ser pai? Quantos pais morrem antes da adolescência dos filhos? Eu tinha 28 anos — nem tão adolescente assim — quando perdi o meu, que faleceu aos 49. Minha primeira mulher morreu aos 52 e conviveu muito com os filhos, por tê-los tido muito cedo. E conheceu netos. Se tivesse deixado para ser mãe aos 30, idade que muitas mulheres miram hoje para ter o primeiro filho, e decidisse ter dois, os teria deixado com idades de 20 e 22 anos. Ela quase não conviveu com o pai que “não estava nem aí” e, logo após o divórcio, nunca mais a procurou.
Meu irmão morreu aos 42 deixando duas filhas em idades de 11 e 13 anos, já meus avós viveram até 96 e 99 anos e conheceram trinetos. Minha bisavó morreu com mais de 100 e pegou meus filhos no colo. Minha mãe está com 86 e tem 7 netos e 6 bisnetos, com os quais convive intensamente.
Veja também > Paternidade na terceira idade
Isso para ficar somente em família e não falar sobre amigos, pessoas de quem temos notícias e celebridades.

A história é cheia de exemplos de convivências satisfatoriamente longas entre filhos e pais de terceira idade, e insatisfatoriamente curtas entre filhos e pais jovens.
Ah! Ok, dirão alguns: esses exemplos são suficientemente relevantes para fazer alguém encarar uma barra dessas aos 60, sem maiores reflexões sobre o futuro?
Acho que, isoladamente, não, mas supondo-se que eu não tenha saído por aí, depois de viúvo, procurando, obstinadamente, uma mulher, 28 anos mais nova, para ter com ela meu sexto filho e levando-se em consideração todas as circunstâncias que levaram ao fato, acho que os exemplos devam ser, ao menos, considerados.
Mas e quanto às reflexões? quem pode prever o futuro e a quem é dado o direito de negar belas vivências em nome do velho clichê da “ordem natural das coisas”?
Paternidade sexagenária: sobre “não estar nem aí”
Bem, voltando à questão do “não estar nem aí”, vale dizer que a expressão pode ser utilizada para classificar o comportamento de pais jovens que, tendo se colocado nessa condição, por obra do acaso ou por irresponsabilidade, resolveram ignorar os filhos. Quem de nós não conhece casos desse tipo?
A frase também poderia ter sido usada por mim para dizer à Renata que, a despeito da vontade dela de ser mãe, eu “não estaria nem aí” e não aceitaria, em razão de já ter cinco filhos e seis netos e de já estar com mais de 60.
Qual a nossa alternativa nesse caso? Separação? Ou a renúncia dela a um desejo tão importante, somente para manter a relação?
A propósito: o que se pode esperar de um casamento com tal diferença de idade entre os membros do casal? Não há respostas definitivas para essa pergunta, assim como não se consegue responder, de forma precisa, a questões semelhantes que se refiram a relacionamentos menos heterodoxos, em que haja menor ou nenhuma diferença de idade entre o casal.
Que motivos, portanto, levariam um homem que se sente em condições emocionais, psicológicas, físicas e biológicas para ser pai, a recusar-se a viver uma emoção dessas com a mulher que ama, com percepção de reciprocidade afetiva e convergência de objetivos, somente porque “o tempo já teria passado”?
Veja > Famosos que foram pais depois dos 60
Tempo ideal para ser pai: existe isso?
Claro que não posso desprezar o fato de que, sim, está tarde. O ideal, o comum e o convencional é ter filhos cedo, com mulheres de aproximadamente mesma idade. Quem se aventura, entretanto, a estabelecer o limite? Até que idade, e em que circunstâncias, um homem pode desejar ter filhos, sem pensar ou temer uma possível invalidez ou morte iminente e sem desafiar os patrulheiros da lucidez alheia?

Considerando a emoção que estou vivenciando e o fato de que o avançar da idade contribui para o aumento dos temores do fim, que pode estar próximo ou ainda bem distante, fico a imaginar, caso venha a morrer em breve, as convencionais frases que serão ditas e escritas por alguns dos leitores deste texto: “parece que estava adivinhando”; “ele sabia que iria morrer logo”; “tá vendo: a seguidora que fez o tal comentário é que estava certa”; a própria seguidora talvez diga: “não falei?” E coisas parecidas. Toc, toc, toc. Bati na mesa de cabeceira. Espero que móveis em MDF sirvam à finalidade. Por via das dúvidas, oportunamente, repetirei o ato em uma das estantes da casa da avó da Renata.
O que importa aqui não é desafiar ou confrontar opiniões divergentes, pois sei que são muitas e cheias de bons argumentos, mas quero, definitivamente, refutar a ideia da inaceitabilidade da decisão que tomei, embora tenha de admitir que a hipótese de que esse texto esteja sendo escrito por um louco, surtado e sem noção, não deva ser descartada.
Envelhecimento solitário e involuntário
Aqui vai uma sincera observação: envelhecer sozinho, a despeito da conotação melancólica da expressão, não tem que ser algo necessariamente ruim. Pode ser uma questão de opção, perfeitamente administrável, e não ser entrave algum a uma vida verdadeiramente plena e feliz. Em verdade, conheço casos em que essa escolha se revelou a melhor das alternativas. Creio, genuinamente, nisso, mas não é o que desejo, ainda que não tenha, por razões óbvias, controle algum sobre o meu futuro e tenha que estar preparado para tudo. Envelhecer ao lado de alguém bem mais jovem é ainda mais incerto, embora não consiga imaginar que tipo de certeza viúvos e divorciados, que tenham recomeçado suas vidas afetivas com pessoas de mesma idade, possam ter de que permanecerão acompanhados até o final de suas vidas.
Paternidade depois dos 60: respeito e empatia são sempre bem-vindos
Aos jovens solteiros e felizes com a solteirice; aos casados ou em relacionamentos estáveis, com ou sem filhos; aos que se separaram e estão felizes; aos que viveram uma viuvez ou uma dura separação e optaram por permanecer sozinhos; aos que decidiram não casar e não ter filhos; aos que não gostariam de estar sozinhos, mas não encontraram, ainda, companhia que considerem que valha a pena; aos que não tiveram filhos, mas gostariam de tê-los tido; aos que ainda não os tiveram, mas estão tentando; aos que perderam um grande amor e estão em busca de outro; aos tão jovens que nem em filhos ainda pensam; àqueles que, em idade similar à minha, estejam felizes vivendo relacionamentos estáveis, envelhecendo ao lado de pessoas amadas e saboreando a alegria do convívio com filhos e netos — ah! Que delícia e que bom tê-los, disso falo com propriedade — e a todos, na juventude, na meia ou na terceira idade, que consigam, ou não, aceitar e entender o que hoje estou vivendo, desejo felicidade, realizações e muitas alegrias em suas vidas.
Peço, entretanto, que ancorem seus eventuais julgamentos, a mim dirigidos, no respeito e na velha e boa empatia.
Veja também > Pai conta como a paternidade aos 68 anos mudou sua vida
Papais sexagenários: são muitos
Aos papais sexagenários e às mamães de filhos de sexagenários que se identificaram com a nossa experiência e relataram as suas em seus comentários, e a todos que nos mandaram lindas, carinhosas, emocionantes e solidárias mensagens de felicidade e congratulações, os meus sinceros agradecimentos.
E o futuro?
E quanto ao futuro? Quem pode prever, e a quem interessa fazê-lo?
O que desejo? Bem, quero viver muito e conviver com minha mulher e minha filha o maior tempo que puder. Para isso tenho estimulado Renata a observar os cuidados com a alimentação, a se exercitar com regularidade e a cuidar muito bem da sua saúde.
Sabemos, entretanto, que não é somente a morte que separa casais e pessoas queridas.
As dificuldades e os problemas das longas convivência estão sempre à espreita de quem ama, e são questões, no meu caso, um pouquinho mais desafiadoras.
Então, segue o jogo.
Barco que não sai do porto não enfrenta tempestade, mas não descobre terra nova.
O futuro é agora.