Paternidade na terceira idade: ter filhos depois dos 60, pode ser impensável para quem já é pai de 5 e avô de 6, mas, e quando a vida põe você em uma situação “impensável”?
Paternidade sexagenária: como tudo começou
Ela não queria filhos. Estava decidida. O Nuvaring, anticoncepcional, era componente certo da caixa de medicamentos, em casa e nas viagens, em pequenos estoques. Há países em que a prescrição médica é necessária. Perto dos seus 35, entretanto, começa a soltar, aqui e ali, frases do tipo: “Não acredito! Fulana está grávida. Logo ela que dizia não querer filhos”; “Beltrana está pensando em congelar óvulos”. E por aí vai: “Sicrana parou com o anticoncepcional”. Nos grupos de amigas do WhatsApp vão escasseando as sem filhos e começam a aparecer subgrupos de mamães. No Instagram pipocam posts de gravidez, chás de revelação, mesversários, papos de fraldas, amamentação, decorações de quartos de bebê e tudo o que existe para testar supostas convicções, de solidez inversamente proporcional ao avanço do tempo. O tema, então, passa a ganhar espaço crescente nas nossas conversas.
Seria o tal relógio biológico?
A cronobiologia é a ciência que trata das transformações no organismo humano ao longo do dia, dos meses e da vida, e explica a evolução feminina até a puberdade, a maturidade reprodutiva e a menopausa*, mas não determina o momento em que a mulher começa a ter vontade e decide ser mãe. Admito, portanto, que essas pressões não influenciem aquelas decididas a não ter filhos, mas que possam ajudar a aflorar desejos e vocações maternais naquelas que, em verdade, apenas pensavam que estavam decididas. Creio ter sido este o caso da Renata.
Ela está mudando de ideia; e eu?
Sempre considerei provável a hipótese de me envolver com uma mulher mais jovem, em idade reprodutiva e ansiosa por ter filhos. Tinha em mente que, em um relacionamento amoroso que caminhasse de forma estável, com convergência de objetivos e reciprocidade afetiva, eu, a despeito de já ter cinco filhos e seis netos, estaria disposto a viver a experiência de ser pai depois dos 60.
E o pagode vai firmando
Mesmo mantendo o uso do anticoncepcional, fomos avançando em conversas, até então não muito sérias, sobre a vinda de um bebê; que tipo de criação daríamos, se a preferência seria por menino ou menina, como as famílias e os amigos reagiriam, como lidaríamos com as questões e indagações relativas à nossa diferença de idade, enfim, era como se a ideia estivesse sendo, lentamente, amadurecida, e não mais simplesmente descartada. Passamos, então, a colocar a decisão para o futuro. Futuro?
Bem, levando em conta a redução da fertilidade feminina a partir dos 35 e a profusão de reflexões que um homem da minha idade passa a fazer, ao descobrir-se suficientemente maluco para entrar numa dessas, percebemos que, futuro, para esse objetivo, era a última coisa que deveria ser considerada.
Já era Nuvaring – Laissez Faire (deixa acontecer)
E eis que, com o desenrolar dos acontecimentos, e a aceitação crescente da ideia, resolvemos praticar um laissez faire, laissez passer, para ver no que daria, e as caixas de Nuvaring foram para o lixo em meados de fevereiro de 2020.
E vem março. Pandemia. Início do confinamento absoluto.

Primeiro mês depois da retirada do anticoncepcional não conta muito, mas aí chegam abril, maio e junho, e aquilo que era apenas um “deixa ver o que acontece”, vai se transformando em ansiedade, e eu me percebo, mais do que simplesmente aceitando, desejando, obstinadamente, ser pai, novamente, aos 64 anos.
E tome Google Acadêmico, SciELO e outros, que, em resumo, sugerem que os casais demoram, em média, cerca de um ano para engravidar. Mas e a questão das idades? Renata estava com 35 e eu um pouquinho mais velho; e aí?
Paternidade na terceira idade: PIMBA!
E segue a quarentena. Em julho, 5 meses após a suspensão do anticoncepcional, PIMBA! Grávida!
Renata gosta de fazer surpresas e as faz muito bem. É craque nisso. Mas, por incrível que pareça, era eu quem acompanhava o ciclo menstrual, calculava o período fértil, a data da provável ovulação, o dia em que o teste deveria ser feito, sem usar aplicativos e com a devida delegação dela. Estava certo de que não seria surpreendido. Mas ela conseguiu. Se antecipou e fez o teste, preparando uma bela surpresa, com mensagem em cartinha no café da manhã colocada sob o dispositivo do teste positivo, e filmou, parcialmente, minha reação de indescritível alegria. Sim, indescritível. O termo é corriqueiro, mas é o que melhor define o que senti, e é bom usá-lo agora para ser fiel à boa semântica e não precisar me estender para explicar a intensidade daquela felicidade.
Fomos ao laboratório para o exame sanguíneo de beta HCG. Resultado positivo, confirmando o do teste de urina.
E agora? Contar ou não contar.
Existe algo que me intriga nas relações entre casais grávidos, suas famílias e seus amigos. Estabeleceu-se uma espécie de convenção que sugere informar a gravidez somente após o final do primeiro trimestre.
Cheguei a pensar que se tratasse de algum tipo de superstição, mas descobri que a maioria dos médicos recomenda essa prática, considerando o fato de que os riscos de aborto espontâneo (AE), nesse período, ficam entre 20 e 25%.
Nós estávamos ansiosos e resolvemos contar, a princípio, somente para a família; para os avós, irmãos, tios, primos e bisavó. Importante deixar claro que a bisavó em questão é a avó da Renata.
A justificativa para a decisão era a de que, se você considera que, em caso de ocorrência de um fato indesejado, você irá querer compartilhar com as pessoas próximas para receber delas apoio, carinho e solidariedade, por que não contar?
Os que defendem esperar para informar, argumentam que, enquanto os riscos no primeiro trimestre chegam a até 25%, a probabilidade de AE, após esse período, é muito baixa, portanto, consideram que somar as expectativas da família e dos amigos às nossas, que já não são pequenas, é aumentar, desnecessariamente o nível de estresse.
A repetição do exame de beta HCG
Considerando que o beta deve dobrar a cada 48 horas nas primeiras semanas, em gravidez normal, decidimos, por conta própria, repetir o exame alguns dias depois, na véspera de um encontro familiar em que, com todos os cuidados recomendados em virtude da pandemia, queríamos compartilhar a nossa felicidade.
O resultado não foi animador. O beta não subiu, proporcionalmente, da forma desejada para o período, o que deu uma esfriada considerável na reunião familiar.
Frustração, sofrimento e esperança
Marcamos um ultrassom. Já haviam se passado quase 5 semanas de gestação e lá estava o saco gestacional, mas não havia embrião.
Com as fortes evidências de que a gravidez não estava evoluindo, decidimos repetir o exame quantitativo de beta HCG. Surpreendentemente o resultado havia mais que dobrado, ainda que não de maneira proporcional em relação ao último. Isso nos devolveu uma pequena esperança.
Fomos, então, para a outra ultra, já na sexta semana, e veio a confirmação: tínhamos perdido o bebê.
Veja > Paternidade depois dos 60: sobre um comentário a mim dirigido
Paternidade tardia: começando de novo
Depois das incontáveis pesquisas e das orientações médicas, partimos para nova tentativa, entendendo que o fato é comum e que ocorre em um significativo número de mulheres que engravidam, muitas das quais nem chegam a tomar conhecimento de que estavam grávidas e que tiveram um AE.
A médica nos orientou a tentar pelos 6 meses seguintes e, não havendo sucesso, retornar para avaliações e exames.
Uma das desvantagens de contar é que, a partir de uma perda, todos passam a saber que você estará tentando e vão ficar na expectativa de quando você vai engravidar novamente, e essas expectativas fazem a sua aumentar, e muito.
Paternidade tardia: os testes de ovulação
A médica nos deu a opção de usar testes de ovulação, para melhor identificar as janelas de dois dias de fertilidade nos ciclos menstruais.
Funciona assim: você começa a testar diariamente a partir do oitavo ou nono dia do ciclo. O resultado dá positivo quando o hormônio LH sobe a níveis detectáveis pelo teste, indicando que a ovulação ocorrerá nas próximas 24 a 36 horas, o que, em ciclos regulares, ocorre por volta do 13º ou 14º dia.
Recusamos, de início, por entender que sexo com data e hora marcadas prejudica a espontaneidade do ato, além do que, com ciclos regulares como o dela, acertar o alvo dando tiros nas proximidades da data prevista de ovulação, não seria tão difícil. Mas quanto maior a vontade de conceber, menor a prioridade que se atribui a qualquer outra coisa. Assim, mandamos a espontaneidade às favas e compramos os testes.
Cinco meses se passaram e nada
E assim se passaram cinco meses, quatro dos quais fazendo os tais testes. No primeiro não houve resultado positivo, sugerindo ter sido um ciclo anovulatório (quando não há ovulação) o que é normal ocorrer eventualmente. Nos outros observamos os procedimentos recomendados, mas não obtivemos sucesso.
Os testes de ovulação podem ajudar, mas não são garantia de se conseguir acertar o nariz da mosca. O fato de se observar período fértil e data da provável ovulação, apenas aumenta a probabilidade de sucesso.
Renata ligou para a médica em fevereiro. Já estávamos apreensivos. Cinco meses já haviam se passado e a recomendação era esperar até seis. Ela disse para controlarmos a ansiedade e usou a expressão: “foca no próximo mês”. Focamos.
Amor! Tô grávida!
Em março, um dia antes da data prevista para a menstruação, Renata decide fazer o teste de gravidez, antecipadamente e sem me avisar. Sua intenção era não esperar o atraso e, em caso de resultado positivo, me fazer uma surpresa. E fez. Com um jeitinho sutil e delicado, ainda na porta do banheiro, mandou um espalhafatoso e estridente: AMOOOOOOR TÔ GRÁVIDA! Explodi de alegria. Que surpresa! E que susto do caramba.
E o dilema: contar ou não contar:
Bem, resolvemos contar inicialmente para a mãe dela, após o primeiro beta HCG.
No Dia das Mães, já na 11 a. semana contamos para o pai, a avó, o irmão, a cunhada e os sobrinhos. Após o término do primeiro trimestre contamos para o restante da família dela e para a minha.
Daí para a frente se seguiram: mais um beta HCG, duas consultas médicas, um exame de sangue com laudo em 15 páginas, um exame NIPT (teste pré-natal não invasivo, onde são checadas possíveis alterações cromossômicas indicadoras de diversas síndromes), duas ultrassonografias obstétricas e uma morfológica de primeiro trimestre.
Felizmente, tudo muito bem com Fernanda. Sim uma menina, que deve chegar no comecinho de dezembro.
Por que Fernanda?
Renata escolheu. Repito: escolha da Renata. Os nomes dos meus outros cinco filhos também começam com a letra F. Isso não era uma questão para mim, mas ela preferiu manter essa espécie de tradição e, com isso, me prestou uma linda homenagem.
Por tratar-se de uma decisão do casal, me consultou. Disse que gostava do nome e me explicou as outras razões da sua escolha. Claro que concordei imediatamente, já começando a me referir à nossa filha pelo nome escolhido, de maneira a já estabelecer um vínculo indissociável entre ela e o nome, para garantir que a mamãe não mudasse de ideia. E assim ficou. Fernanda. Obrigado Amor.
E agora?
Acabaram-se os riscos? Não, mas reduziram-se significativamente. Na verdade, riscos vão acompanhar a gestação, vão existir durante o parto, vão continuar após o nascimento e vão acompanhá-la por toda a vida. Não há como eliminá-los. Nossa missão é, até onde pudermos e até onde nos couber, mitigá-los e administrá-los.
A partir de agora, vamos focar nas altas probabilidades de sucesso.
Vamos viver a gravidez.
Dezessete semanas e a barriga já começa discretamente a despontar, e esse papai de sexta viagem, sexagenário e vovô, quase não se aguenta de emoção e felicidade, e já está pronto para viver essa esperadíssima experiência e para lidar com as mais diversas perguntas que, certamente, virão por aí. A principal, mais óbvia e mais previsível será: é sua neta?
Veja também:
> Famosos que foram pais depois dos 60
> Pai conta como a paternidade aos 68 anos mudou sua vida
* Nelson Marques em Cronobiologia: Princípios e Aplicações, 1999, Vol. 12, Editora USP – citado por Mariana Resende em https://helloclue.com/pt/artigos/fases/hora-de-engravidar-existe-um-relogio-biologico-da-fertilidade, acessado em 26/fev/2022.