Pedi a um amigo referências sobre o nutricionista com quem se consultava, do qual falava maravilhas e a quem atribuía, juntamente com a regular prática de exercícios de musculação, a responsabilidade pela esbelta e invejável silhueta que exibia.
Cheguei ao consultório e, antes de ser chamado, ainda na recepção, paguei o valor da consulta, algo em torno de R$ 800,00, a preços de hoje. A julgar pela suposta competência do cara, até que parecia barato.
Enquanto aguardava comecei a folhear umas publicações e a ver alguns cartões de visita, colocados estrategicamente à vista dos pacientes, com ofertas de serviços profissionais em diversas áreas terapêuticas, tais como: cromoterapia, homeopatia, florais de Bach, quiropraxia, acupuntura e por aí vai. Comecei a me assustar.
Entrei no consultório enviesado com o que li na sala de espera e me sentei já pensando na desculpa que daria para sair vazado, o mais rapidamente possível, caso ele resolvesse enveredar por caminhos semelhantes aos que são trilhados pela turma das publicações e dos cartões de visita.

Ele então começa com perguntas sobre meus hábitos alimentares, exercícios, fumo, álcool e, observando o sobe e desce da minha perna na cadeira faz a seguinte afirmação:
– Ansioso, hein?
Não faço comentário algum.
Em seguida manda que eu abra a boca e lhe mostre minha língua, pedindo que eu mantivesse aquela posição, similar à do Einstein naquela célebre foto, pelo tempo que ele julgasse necessário para concluir a sua avaliação, e, apontando o dedo indicador e fazendo anotações, começa a mandar diagnósticos em sequência, sugerindo que fígado, rins, intestino e outros órgãos meus, estariam com certo comprometimento, segundo os achados de seu exame visual ao meu órgão de deglutição, paladar e fala. Perguntei como ele diagnostica seus pacientes apenas observando suas línguas, e ele limitou-se a responder que utilizava técnicas tradicionais de medicina chinesa.
A segurança que a sua expressão facial e o seu jeito de se comunicar transmitiam, me fizeram entender o seu poder de persuasão e o fascínio que exerce sobre as pessoas predispostas a valorizar tudo o que é explicado com ares de coerência e que se distancie dos conceitos e práticas da medicina convencional.
A profusão de perguntas, aparentemente não ligadas ao principal objetivo de quem o procura, passa a seus pacientes a ilusão de estarem consultando um nutricionista que tem conhecimentos muito além da função para a qual se preparou e se porta como se médico fosse.
Os benefícios de perda de peso e melhora de bem-estar, que eventualmente obtêm com dieta de déficit calórico e por efeito placebo de uma de suas técnicas ou receitas, reforçam a confiança dos clientes.
Veja > O urologista que não fez o toque, mas deu um toque
É assim que praticantes de pseudoterapias conquistam e fidelizam pacientes de boa-fé, mas que são pouco questionadores, e estão acostumados a consultas com médicos objetivos que falam pouco e que parecem não estar dando a atenção que esperam e gostariam de receber.
Saem do consultório dizendo coisas do tipo: ele é ótimo, pergunta tudo, é muito atencioso e carinhoso, a gente se sente muito bem nas consultas, e vão recomendando o sujeito à família e aos amigos, e assim a quantidade de clientes aumenta, principalmente se entre estes figurar uma celebridade. Aliás, não há nada mais poderoso para espalhar crendices e charlatanices do que celebridade.
Voltando à minha consulta, eu já começava a pensar em disfarçar e mandar uma mensagem a alguém pedindo que me ligasse para eu dar uma desculpa qualquer e cair fora, quando ele olha para o meu braço e sai com essa:
— Você sempre foi verde assim?
— VERDE? Você está dizendo que eu sou verde?
— Não. É que às vezes a tonalidade da pele pode indicar muita coisa.
Eu não queria parecer grosseiro, mas estava ficando muito incomodado, especialmente com essa referência à minha suposta coloração clorofila. Estava sem saber o que fazer, até que ele perguntou:
— Posso fazer uma acupuntura em você?

Perdi de vez a paciência e respondi:
— Em hipótese alguma! Eu não sou adepto de práticas não reconhecidas pela ciência e, muito menos, estou disposto a me permitir ser espetado e furado aqui.
Ele pegou uma caixa em uma prateleira próxima à mesa, abriu-a, mostrou-me o conteúdo e prosseguiu dizendo:
— Não. Não é com agulha, vou implantar estas sementes na sua orelha, trata-se de acupuntura auricular.
— Não, desculpe, mas não sou adepto de terapias alternativas.
— Ah, ok, se o paciente não quer não tem problema, mas qual o motivo da sua birra contra acupuntura.
— Já lhe disse; eu prefiro terapias respaldadas pela ciência e esse não me parece ser o caso dessa técnica de implantar sementinhas na orelha das pessoas. Não tenho notícia de médicos que recomendem esta prática.

— Entendo você e respeito, mas sabe por que eles não recomendam?
— Não tenho ideia.
Respondeu-me levantando o tom de voz:
— Porque não sabem nada! Não têm conhecimento para isso.
— É a sua opinião e eu também devo respeitá-la. Encerramos então?
Achei que aquela leve e respeitosa discussão era a senha para eu me mandar e dar por encerrada a consulta, mas ele ainda tentou me receitar uns medicamentos, segundo ele, naturais e sem feitos colaterais, que me ajudariam na digestão e perda de peso.

Recusei.
Após perceber que não rolaria nenhum tipo de pajelança comigo, resolveu me prescrever uma dieta.
Fez perguntas adicionais, relativas à quantidade e à frequência do consumo de bebida alcoólica, quantidade de água consumida diariamente, entre outras, e após cada resposta me dava ordens do tipo:
— Está bebendo 1 litro de água por dia? Não; eu quero 2,5l.
— Ok, pode deixar.
— E quanto a bebidas alcóolicas: eu quero zero. Noventa dias sem beber.
— Ahan.
E assim, felizmente, terminamos, com ele marcando o retorno para três meses.
Recebi uma chuva de e-mails promocionais até cancelar os envios, e não preciso ressaltar que não segui a dieta e nenhuma das recomendações.
Encontrei, dias depois, o amigo que me fez a indicação e antes dos usuais como vai e tudo bem, veio a pergunta:
— E aí? Foi no cara?
— Fui.
— Gostou? Ele é sensacional, não é?
Pensei duas vezes antes de responder, mas a amizade falou mais alto:
— É. Gostei muito da consulta. E o melhor de tudo foi ter descoberto que eu faço fotossíntese.