O firme combate às fake news e à desinformação nas redes é de extrema importância para coibir estas tão nocivas práticas.
Intensidade e determinação semelhantes deveriam ser aplicadas, também, no combate à desinformação propagada pelos anúncios de produtos, muitas vezes tratados como suplementos alimentares, mas com indicações terapêuticas definidas como se medicamento fossem.
Sem eficácia comprovada, esses produtos têm anúncios veiculados, descaradamente, em forma de notícia, com discreta indicação de “informe publicitário”, nos meios de comunicação do país, inclusive nos mais importantes e de maior circulação.
O formato de notícia dado a material publicitário tão pobre em conteúdo e em informação de qualidade, confunde, propositadamente, os menos atentos e os mais susceptíveis a deixar-se enganar pelas alegadas propriedades milagrosas dos produtos anunciados.
Tais alegações são, muitas vezes, acompanhadas por testemunhos, de origem e autoria duvidosas, de supostos usuários, que podem ser, na verdade, inexistentes, mal-intencionados, ou, no mínimo, ingênuos e desconhecedores do que significa efeito placebo.
Ainda que não violando normas da ANVISA, já que suplementos alimentares que não contenham enzimas ou probióticos não necessitam de registro sanitário (RDC 240/2018), alguns desses produtos são anunciados com logos da agência e do ministério da saúde, sugerindo chancela das duas autoridades, quando, na verdade, estão em conformidade com as normas porque não precisam de autorização e registro, e não porque os tenham. Isso dá um falso caráter de confiabilidade ao produto.
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Alguns anunciantes tentam passar uma imagem de seriedade divulgando estudos, alguns de resultados pouco conclusivos, que não foram realizados com seus produtos, mas sim com alguns dos ingredientes que afirmam estar presentes em suas fórmulas, sem referências a tipos, padrões e dosagem das substâncias utilizadas.
Todos, entretanto, têm o cuidado de se defender com disclaimers, ao final dos anúncios, que expõem a ausência de garantia de obtenção dos resultados desejados, colocam dúvidas sobre todas as alardeadas virtudes do produto e os eximem de responsabilidade no caso de o tratamento não funcionar, elencando diversas razões para que a falha tenha ocorrido, dentre todas nunca a verdadeira, que é a ineficácia do produto.
Desinformação e fake news são hoje tratadas como caso de justiça. Produzir e divulgar fake news pode gerar graves implicações legais. Portanto, não é compreensível que falsas notícias, ainda que envoltas pela capa de informe publicitário, continuem sendo divulgadas livremente, sem um controle mais rigoroso das autoridades sanitárias e sem um desejável filtro dos veículos de comunicação, que, assim como as grandes plataformas das redes sociais, não podem se mostrar omissos em situações como essa, que parecem similares às dos casos que vêm chegando aos tribunais.
Rechaçar e combater fake news e desinformação sobre vacinas e tratamento precoce contra Covid-19 e ignorar o que se veicula de informações falsas nesses tipos de anúncios é dar tratamentos diferentes a questões, rigorosamente, idênticas, a despeito de eventuais diferenças relativas a riscos e efeitos colaterais.
É certo que estamos aqui tratando de informe publicitário e os meios de comunicação têm os seus competentes departamentos jurídicos e, provavelmente, não possam ser responsabilizados por isso. A responsabilidade deve ser imputada ao anunciante. Entretanto há, no mínimo, uma questão ética a ser considerada.
Em 23/02/2021 jornais publicaram informe publicitário de um grupo de médicos intitulado Manifesto pela Vida – Médicos do tratamento precoce no Brasil.
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No informe, o grupo defendia um certo tratamento contra a Covid-19 com informações falsas sobre medicamentos considerados, cientificamente, ineficazes contra a doença. O material foi publicado em oito jornais: Folha de São Paulo, O Globo, Jornal do Commercio, Estado de Minas, Correio Braziliense, Correio, O Povo e Zero Hora.
O fato provocou um debate sobre ética entre jornalistas. *
Sobre o assunto assim se manifestou Rogério Christofoletti, cofundador do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), da Universidade Federal de Santa Catarina:
“A publicação do anúncio mostra um descontrole preocupante dentro das empresas jornalísticas. O departamento comercial não dialoga com a redação e acaba aceitando anunciantes, cujos interesses contrariam, às vezes, os interesses do próprio jornal. Se o veículo defende o combate à desinformação, não pode publicar nem notícia, nem anúncio que contribua com a desinformação. É uma questão de coerência, tem a ver com credibilidade e ética. O público espera que os jornais forneçam informação e, quando isso não acontece, um pacto de confiança se desfaz. Os leitores cobram, exigem”. *
Pois bem, como classificar informes que estimulam a interrupção de tratamentos médicos prescritos e convencionais, pelos supostamente milagrosos produtos anunciados? E aqueles que começam com chamadas do tipo: comprimido que zera a barriga em uma semana vira febre no Brasil; faça isso todos os dias e acabe com as dores nas costas; tome isto regularmente e acabe com seu problema de hiperplasia benigna de próstata; médicos estão inconformados com tratamento natural que cura artrite; entre centenas de outros semelhantes?
Resposta: em resumo, tudo isso se traduz em fake news e desinformação, escondidas por traz da caracterização de informe publicitário, para as quais, portanto, sugere-se algum controle, pelos meios de comunicação e pelas autoridades sanitárias e, se e quando cabível, tratamento jurídico adequado, com a devida responsabilização dos que as produzem e as divulgam.
*Ver em Abraji (https://abraji.org.br/noticias/informe-publicitario-em-defesa-de-tratamento-precoce-contra-covid-19-abre-debate-sobre-etica-da-imprensa)