Faço o que eu quero e quem quiser que me aceite como sou

Faço o que eu quero

Faço o que eu quero! Essa frase é dita com frequência e sempre com muito orgulho e ares de quem está proferindo uma verdade inquestionável e que merecerá a admiração da família, os elogios dos amigos e muitos likes nas redes sociais. Na verdade, geralmente é isso mesmo que vai ocorrer, desde que a razão que leve a pessoa a usar a expressão, não seja a tentativa de justificar o ato de castrar um gato com uma faca cega e sem anestesia.

O fato é que a expressão, além de um tremendo clichê, é usada para destacar a característica de autoconfiança de quem dela faz uso, e, na maioria das vezes, é aplicada para justificar atitudes unilateralmente decididas por algum membro de um casal, em cujas principais características do relacionamento certamente não se incluem a empatia, o respeito e o diálogo.

Alguém poderá dizer, mas espere aí! Por que as pessoas não teriam o direito de desejar serem aceitas do jeito que são? Ora claro que têm, mas uma relação é construída a dois, e é necessário que ambos se aceitem do jeito que são e é, exatamente aí, que essa de autoestimas exacerbadas e egos inflados esbarram nos preceitos fundamentais para a construção de uma boa e harmoniosa relação.

Se um membro do casal diz que só faz o que quer, independentemente do fato de que essa decisão possa incomodar ou até ferir o parceiro ou parceira, este membro não está simplesmente exercendo sua liberdade, mas pode estar querendo submeter a outra parte aos seus desejos e ao seu controle.

Ora, certamente dirão alguns, o exercício da liberdade no relacionamento já pressupõe que cada um possa fazer o que quiser, mas eu desafio aqueles que pensam assim, a relatar seus relacionamentos e comprovar, honestamente, que ambos fazem o que querem e ninguém sai machucado ou que ninguém finja que está satisfeito.

Se assim fosse, para nunca haver conflito, seria preciso que um dos membros se adaptasse aos hábitos, às vontades e aos caprichos do outro e isso exigiria que, ou houvesse absoluta identidade entre os gostos de cada um ou que um deles tivesse de se submeter à vontade do outro para que o relacionamento fosse mantido e nenhuma das hipóteses me parecem prováveis.

É claro que pode haver casais que se identifiquem tanto em tudo ou em quase tudo que mesmo as marcantes diferenças não interfiram na harmonia e na felicidade de ambos.

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É possível, também, que um dos membros, mesmo incomodado com o “faço o que eu quero sempre” do outro, se submeta sem se sentir incomodado ou infeliz, às vontades do parceiro ou parceira, e isso também garantirá certa harmonia ao casal.

Outro enfoque é o de que, cada um pode ser livre para fazer o que quiser e a outra parte tem que aceitar e é assim que vivem muitos casais hoje, e não vejo, sinceramente, problema nisso, mas em todas estas hipóteses a frase em questão, “faço o que eu quero”, dita com aquela soberba, deixa de fazer sentido e somente se justifica por mera agressividade ou intenção de menosprezar o parceiro ou a parceira.

Relacionamentos em que os casais vivem separadamente, cada um em suas casas, e outros com características bem específicas e pouco convencionais — se é que hoje se possa classificar algum relacionamento como não convencional diante de tanta diversidade — existem e são cada vez mais comuns, inclusive os abertos, onde ambos podem  se relacionar, eventualmente ou com frequência, com outros parceiros e parceiras, entretanto, independentemente do tipo de relação que o casal pratique, sempre haverá algum tipo de restrição ao que a outra parte pode fazer e sempre haverá algum limite de aceitação de uma das partes, exceto naqueles casos em que um dos parceiros se submete, integralmente, às vontades do outro, podendo, como vimos, viver feliz ou infeliz.

A verdade é que, para que um casal viva de forma harmoniosa e com respeito às suas independências e individualidades, precisam conversar sobre estas questões e estabelecer, ainda que não em forma de um suposto contrato conjugal, os padrões aceitos que permitam o exercício de suas liberdades sem a sensação de que alguém esteja insatisfeito ou infeliz.

Só há uma receita para que isso funcione bem, e os ingredientes são: primeiro, nunca mencionar a tal frase infeliz; “faço o que eu quero”. Se possível, jamais; o resto é o que já se conhece: muito amor, respeito, empatia e vontade de ser e de fazer a outra parte feliz.

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