Os filhos e o novo casamento do pai

Os filhos e o novo casamento do pai

Há formas variadas de reações dos filhos às decisões de pais e mães, viúvos ou separados, que desejem recompor suas vidas afetivas e viver um novo relacionamento.

Vamos assumir que, ao menos na maioria das vezes, os filhos desejem a felicidade dos pais que ficaram sós após a perda do parceiro ou parceira.

Além de muitas e variadas, as reações são diferentes e, muitas vezes, contraditórias.

A princípio, no caso de separações, quando um deles se encontra mais fragilizado, o que é o caso mais comum, já que são minoria as relações de desfechos consensuais, a tendência é que o membro do casal que demonstre mais tristeza e insegurança receba os maiores cuidados e atenção dos filhos.

Os que deram causa à separação, nesse caso me refiro aos que decidiram pedir o divórcio ou o afastamento, às vezes recebem críticas, e rancores dos filhos, por não terem tido paciência e tolerância para sustentar o que eles, filhos, consideram que deva ser uma família unida.

A questão de dar causa é, também, ambígua, pois sugere a responsabilidade unilateral pelo rompimento. Entretanto aquele ou aquela que, supostamente, tenha dado causa, ou seja, decidido pelo divórcio, pode ter agido em resposta a uma ou várias, atitudes da outra parte, as quais considera incompatível ou incompatíveis com aquilo que consideram ser uma vida conjugal harmoniosa e, nesse caso, quem decidiu a separação considera as atitudes da outra parte como a verdadeira causa do rompimento.

Quando mencionei “reações contraditórias”, me referia a situações em que os filhos, ao perceberem tristeza profunda e duradoura de pai ou de mãe, decorrente de solidão, tendem a recomendar, às vezes insistentemente, que eles busquem amizades, passeios, festas e novas oportunidades de relacionamento.

Quando, entretanto, alguns deles, seguindo esses conselhos e recomendações, às vezes buscando forças em psicoterapia ou religião, decidem, aos trancos e barrancos, aceitar um novo relacionamento e acabam encontrando alguém com quem se identificam, os filhos se assustam.

Essa situação produz, tanto em pais como em filhos, preocupações e constrangimentos. Por um lado, os pais se preocupam em encontrar alguém que, além de satisfazer as suas expectativas, atendam aos padrões de exigência dos filhos, para que possam receber deles a aprovação do romance.

Esses padrões vão muito além de simples simpatia, mas passam por avaliações de grau de instrução, profissão, situação financeira, filhos, netos, linguajar, hábitos, tom de voz, sotaque, preferências políticas e até futebolísticas, além da forma como se tratam e se acariciam na frente das famílias.

Por outro lado, cada membro no novo casal precisa lidar com expectativas semelhantes em relação à família do novo parceiro ou parceira, e essas expectativas produzem neles ansiedade parecida com a que experimentam os filhos.

A questão geradora de problemas está associada à falta de capacidade das partes em superar eventuais discordâncias, impressões negativas ou qualquer outro tipo de resistência, centrando suas percepções e reações na idealização que eventualmente venham a fazer de padrão comportamental que esperam compartilhar com os eventuais novos membros da sua família.

E o curioso é que, ainda que percebendo claramente a felicidade e a alegria voltando a fazer parte da vida dos pais, filhos tendem a criar problemas, se não diretamente com acusações e confrontos, com comportamento de desprezo, indiferença e ironia, dirigidos à pessoa que passa a ser vista como impostora, invasora do ambiente familiar, antes supostamente estável e harmonioso, e usurpadora do trono da pessoa que foi embora ou que morreu.

A tristeza antes vivida pelo pai ou pela mãe, e que está sendo visivelmente superada, deixa de ser o foco principal da atenção dos filhos, que passam a se preocupar com os possíveis danos emocionais e financeiros que aquela nova relação pode provocar nos tão ingênuos papais e mamães, incapazes de se defender dos ataques predadores das novas namoradas e namorados, principalmente se muito novinhas ou novinhos.

Veja que o relato até aqui se refere a casamentos ou relacionamentos que ocorreram após recomendação dos filhos, imaginem aqueles que acontecem por surpreendentes e repentinas decisões de viúvos e separados, tomadas com firmeza e personalidade, sem consultas aos filhos, até que, em um belo dia, aparecem, sem avisar, acompanhados de um “malvado” ou uma “malvada”, conquistadores impiedosos dos corações indefesos de “irresponsáveis” papais ou mamães?

A forma de acontecer é diferente, já que a iniciativa foi firme e determinada, mas as consequências são as mesmas das relatadas acima, quando as hipóteses de novo relacionamento tenham sido levantadas e estimuladas pelos próprios filhos.

O conjunto de atitudes, pensamentos e acontecimentos que passam a envolver essas relações, tendem a produzir tensão e estresse contínuos, de longa duração, que muitas vezes se estendem por toda uma vida ou pelo tempo que durarem as relações, lembrando que nos casos em que as relações não se estabilizam e há uma ruptura, todos aqueles problemas que ocorreram no início tendem a se repetir nos próximos relacionamentos.

A despeito de não ser tarefa fácil de início, muitas vezes as coisas se acomodam e enteadas passam a gostar de padrastos, madrastas passam a se entender bem com enteados e as coisas se estabilizam de forma a que novas famílias com novos ou similares valores se estabeleçam e tornem a vida, mais do que suportável, feliz.

Antes dessa acomodação, no entanto, o assunto passa a dominar os churrascos de fim de semana quando pais e seus novos cônjuges não estão presentes, é claro. E aí, filhos, sobrinhos, netos amigos dos filhos, todos se unem em críticas que vão do comportamento, classificado como infantil, dos pais que passam a se portar como crianças com atitudes ridiculamente impensáveis dada a conhecida inteligência e maturidade por eles sempre demonstradas, às atitudes das namoradas.

Estas, tentando demonstrar a capacidade de estar fazendo o papai viúvo ou separado mais feliz, geralmente contribuem para esse “estúpido” retorno à adolescência dos coroas, além do que, geralmente mais novas, causam desconfianças nos filhos. Sentem-se, em razão da jovialidade, com energia para desejar uma nova relação na qual possam continuar a passear, dançar, fazer trilhas, malhar, viajar e tudo o mais que esteja alinhado com sua idade e sua fase hormonal.

Aí começam outros tipos de problema que às vezes desembocam em perceptíveis incompatibilidades que precisam ser contornadas ou assimiladas para que a relação não termine prematuramente, o que, às vezes, é inevitável.

A questão é que situações desta natureza precisam ser administradas de forma equilibrada para causar os menores problemas possíveis às partes.

Não é racional esperar, de início, reações de absoluta indiferença e aceitação incondicional dos filhos ao novo relacionamento dos pais, o que vai de encontro ao carinho e ao amor que dedicam à outra parte da relação desfeita, nos casos de viuvez ou separação. Nem se pode esperar que pais deixem de procurar reconstruir suas vidas afetivas para priorizar o bem-estar emocional dos filhos, embora não sejam raros os casos em que isso aconteça.

Solução? Sugiro: a) respeito, equilíbrio, controle emocional e, acima de tudo empatia, dos dois lados; b) exercitar a capacidade de se imaginar no futuro em situação semelhante, o que, para os jovens, não é fácil, e c) para os pais, que viveram situações semelhantes quando crianças ou adolescentes, ou mesmo aqueles que não as viveram, se colocar no lugar dos mais jovens e tentar imaginar como teriam reagido ou como reagiram.

Boa e respeitosa conversa, com espíritos desarmados e desejo sincero de zelar pelo bem, pela paz, pela saúde mental e pela harmoniosa convivência familiar de todos os envolvidos, tendem, invariavelmente, a funcionar muito bem.

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