Tenho pensado mais na morte; não com a tranquilidade dos racionais, que a sabem inevitável e gostam de filosofar sobre o tema, nem de forma parecida com a pretensa invulnerabilidade dos jovens, que a vêm sempre mais distante do que, em realidade, ela possa estar. Penso com muito medo. Não o medo humano do qual, de forma mais ou menos intensa, todos experimentamos, mas um medo quase que neurótico.
Qual a origem disso?
Será que, finalmente, começo a sentir o avançar da idade? Demorou, hein? Dirão alguns engraçadinhos. Ou será que a descoberta de uma pinta suspeita na minha face desencadeou todo esse processo?
Na verdade, meus medos e inseguranças já vinham aumentando, de forma acentuada, bem antes da assustadora consulta dermatológica, que marquei por preocupação com a tal pinta, grande e redonda, em alto relevo, na lateral da minha testa, que começou a crescer de repente, sem doer ou coçar.
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Tenho olhado para as pessoas que amo pensando por quanto tempo desfrutarei de suas companhias e tenho sentido certa inveja de pessoas bem mais velhas, saudáveis e lúcidas, já achando que não chegarei à idade delas com o mesmo pique.
Logo eu, que, há uns quinze meses, experimentava e compartilhava um otimismo quase eufórico.
Estou, também, incomodado com um certo sedentarismo que desenvolvi recentemente, ao longo da gestação e dos primeiros meses de vida da minha filha, Fernanda. Tenho perdido a vontade de me exercitar e minha preferência, sempre que possível, é por ficar em casa.
Voltando à tal consulta, cheguei ao consultório e a médica, ainda na porta ao me receber, disse: já percebi o porquê da sua vinda. Olhou para a pinta, examinou-a com um instrumento luminoso que aumenta quarenta vezes a imagem, e disse: “não é nada, mas você tem outras lesões que precisam ser examinadas”. Eu fiquei despreocupado. Se a grande não era nada, as outras certamente não seriam.
Ela foi descartando problemas em sequência, até que parou em uma que a deteve por mais tempo na análise; e veio o susto: “esta é suspeita”. Perguntou se eu tinha o hábito de me expor muito ao sol. Respondi que costumava me espichar como um lagarto em buracos e travesseiros de areia, durante horas, sob o escaldante sol de verão, nas praias do Rio de Janeiro.
Em seguida perguntei sobre os possíveis prognósticos. Ela respondeu: “acho que não vai dar nada, mas minha obrigação é mandar biopsiar, pois a lesão apresenta algumas características preocupantes”. Me atrevi a perguntar: e se der alguma coisa? Ela respondeu: “Iiiih, melhor nem falarmos sobre isso, mas se der a gente vai ter que conversar muito porque blá, blá, blá…”
Nem quero traduzir, mas, apenas para resumir, digo que saí de lá pensando em testamento, lápides e epitáfios. O primeiro que me veio à mente foi: “aqui jaz um idiota que na juventude usava bronzeador vermelho em vez de protetor solar”.
A perspectiva da morte torna as demais preocupações da sua vida absolutamente irrelevantes.
Procurei outra profissional para uma segunda opinião e ela confirmou a necessidade da biópsia, porém fez referências a prognósticos bem menos desesperadores. Saí tenso, mas um pouco mais otimista.
Voltei, semanas depois, ao consultório para a retirada da lesão, e o material foi coletado e encaminhado para o laboratório de patologia. Após o procedimento, que produziu um sangramento que fez a médica se empenhar para estancar, dando alguns pontos a mais do que o previsto, perguntei se eu iria precisar de um cirurgião plástico. Ela respondeu que não, e concluiu me dizendo: “pela cirurgia e pelos pontos certamente não”. Creio ter insinuado que havia outros relevantes motivos para que eu precisasse de um cirurgião plástico. Preferi não esticar a conversa.
Ao final de quinze dias de aflição retornei para retirar os pontos e saber do resultado.
A lesão era benigna.
A médica disse que já tinha recebido o laudo no dia anterior, mas, como já havia agendado minha ida para a retirada dos pontos, preferiu, sadicamente, aguardar para falar pessoalmente, me fazendo sofrer por mais algumas horas.
Alívio? Por hora sim, mas os exames anuais de rotina continuam, já que ficaram parados desde o início da pandemia e, por isso, considerando o tempo passado desde quando fiz os últimos, a preocupação com os resultados é, compreensivelmente, maior, e eu, que sempre tive medo de médicos e de exames, por essas circunstâncias, substituí o medo por um pavor quase incapacitante.
Bem, felizmente tudo bem com a pele. O coração parece estar muito bem também, a julgar pelos resultados dos exames já feitos, agora só falta saber a quantas andam pulmão, esôfago, estômago, rins, pâncreas, vesícula, fígado, bexiga, cólon e próstata. Só isso. Por este ano, claro.
Ah, e quanto ao sedentarismo e ao medo de morrer? Depois do laudo favorável voltei a me exercitar e o medo vem diminuindo. O otimismo está voltando. Teria sido o susto? Provavelmente sim, entretanto, por via das dúvidas, convém não exagerar nas boas expectativas, ao menos por enquanto. Melhor aguardar os resultados dos outros exames. Os deste ano e os dos próximos.
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Dezembro/2022